Dano e assédio moral em TI: o dano

Comecei uma longa pesquisa sobre a questão do assédio e dano moral no ambiente de TI focando em fábricas de software. Dois fatores me motivam: minha experiência pessoal  e uma série de leituras e conversas que tive com meus amigos advogados (especialmente Nanna, é claro) sobre o tema. O interessante é que, conforme progredia na pesquisa mais nítido ficava o fato de ser algo assustadoramente comum e simplesmente ignorado pela maior parte dos profissionais. É grande a probabilidade de neste momento você estar assediando ou sendo assediado moralmente sem ter consciência disto.

Amigos advogados: este texto é escrito por um leigo no assunto. Por favor, encontrando erros, me repassem o mais rápido possível para que eu possa fazer as devidas correções ok?

O que é dano moral?

O primeiro passo para poder tratar do assunto é definir o seu escopo. Irei tratar aqui apenas do ambiente de trabalho tentando me aproximar ao máximo do foco de minha pesquisa que são as fábricas de software.

Nossa idéia inicial de “dano” é algo que nos cause um prejuízo físico direto (os juristas adoram usar a palavra “pecuniário”). Exemplo: pego seu notebook e o destruo na sua frente. Jurídicamente, o dano é sempre causado por outro e deve ser reparado. Isto fica evidente no artigo 159 do Código Civíl Brasileiro:

“aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência violar direito ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”.

Já o dano moral é imaterial: ocorre quando há um ataque à pessoa ou honra do trabalhador e este gera-lhe prejuízo sob a forma de dor ou por perda de credibilidade perante seus colegas e clientes. É fácil reparar um dano material: você põe a mão no bolso e paga o prejuízo. No entanto, como proceder quando sua imagem foi ferida? Qual o preço a ser pago? Questão complicada.

Na minha pesquisa estão sendo feitas consultas à sentenças (“jurisprudência” em juridiquês) relativas a danos morais e também a diversas experiências que venho recebendo por e-mail nos últimos dias. Um exemplo comum: a divulgação na empresa de que um funcionário seja incompetente devido a um erro cometido no passado. A credibilidade do sujeito é destruída e difícilmente consegue ser levado a sério  pelos colegas devido a um único fato isolado.

O interessante do dano moral é que suas consequências são muito mais profundas. Podem levar o indivíduo a sérios problemas de saúde física e mental, destruição de sua carreira, relacionamentos familiares e mesmo levá-lo ao suicídio.  E o pior: é difícil de ser provado, pois as evidências irão se basear no testemunho dos colegas (que naturalmente terão medo de se posicionar) ou raríssimas provas físicas.

Uma consequência terrível do dano moral em TI é que este mesmo indenizado difícilmente é reparado pois cria-se uma imagem negativa da vítima por parte dos colegas de trabalho que não é fácilmente apagada na maior parte das vezes, normalmente pelo fato da vítima ser rotulada como “pessoa difícil”, “exageradamente sensível”, “fresca”, “complicada”, “chata”, etc. Aliás, este rotular já dificulta qualquer reação por parte da vítima, que muitas vezes se auto recrimina injustamente. Nestes casos, o ideal é sempre procurar um terceiro não envolvido no caso e relatar-lhe a situação para que possa ter uma visão mais abrangente do caso.

Sobre a evolução do conceito de dano moral, há um texto interessantíssimo de um Juíz de Direito chamado André Gustavo C. de Andrade que pode ser lido neste link: “A Evolução do Conceito de Dano Moral”.

Relato interessante: estagiário

Recebi por e-mail um relato interessantíssimo de um estagiário que, contratado por uma fábrica, foi lhe dada a responsabilidade pela execução de uma tarefa de alta responsabilidade na implementação de um sistema. Dada sua inexistente experiência e a dificuldade da tarefa e ausência de apoio por profissionais experientes, lógicamente cometeu alguns erros em sua execução. Como consequência direta foi divulgado entre os colegas sua incompetência para a área de desenvolvimento e passou a ser isolado da equipe até o ponto deste se ver completamente à toa durante vários dias, levando-o a sair do estágio e, logo em seguida, mudar de área.

Vê-se aqui um dano direto à reputação de um indivíduo sem que este sequer tenha a chance de provar o contrário (caramba, com base na primeira experiência do sujeito!). E o pior: a perda de um profissional em nossa área. Não há um dano físico direto, mas sim indireto: a perda de produtividade do colaborador que, ao sair, acabará por trazer danos à imagem da empresa aonde atuou ao narrar suas experiências às pessoas de seu círculo social. Sim: o dano moral deveria ser levado em consideração pelas empresas por lhes gerar prejuízo direto.

Por que tão comum?

Acredito que sejam duas as causas do dano moral ser tão comum entre empresas. A primeira é nossa própria ignorância a respeito do assunto. Eu mesmo só vim a saber do que era o problema em uma leitura de banheiro que me fez refletir a respeito das minhas próprias experiências. Se não temos como delimitar bem o objeto, difícilmente saberemos como tratá-lo.

A segunda causa é o medo de reagir. São raros os casos em que a vítima processa a empresa ou tem coragem de responder ao agressor. Muitas vezes a reação é impossível pelo fato do indivíduo ter sua auto estima tão danificada que a própria coragem desaparece. A grande pergunta que vejo colocada é: “e depois de ter reagido, como ficará meu ambiente de trabalho?”. Ao ser rotulado de “difícil” ou “complicado”, a coisa fica ainda mais complicada.

E o assédio moral?

Este é assunto para um segundo post que pretendo escrever em breve. Primeiro é importante entender a base da coisa que é o dano moral. Aliás, é neste ponto aonde as conclusões mais interessantes da minha pesquisa estão sendo encontradas. Estou apenas compilando melhor os resultados para poder apresentá-los a vocês em breve.

Preciso da sua ajuda

Estou baseando minha pesquisa também nos relatos que venho coletando. Sendo assim, caso tenha passado por situações similares às que apresentei neste texto, por favor, peço para que me envie por e-mail (loboweissmann@gmail.com). Garanto que sua privacidade será garantida e seu nome jamais será divulgado.

Com esta pesquisa tenho o objetivo de divulgar o problema para, assim, evitar que este se propague e, com isto, ganhamos todos um mercado de trabalho muito mais saudável.

Participe anônimamente – Update 11/2/2013

Publiquei no Google Docs um formulário que permite a qualquer um, anônimamente, publicar seus relatos.
Para acessá-lo, basta clicar neste link.

Para maiores detalhes, confira o post em que anuncio o formulário.


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Comentários

16 respostas para “Dano e assédio moral em TI: o dano”

  1. Avatar de Tiago Peczenyj

    Kiko,

    parabéns pela iniciativa. Uma prova de que isto é muito comum na nossa área é o fato das pessoas terem MEDO de comentar usando nome real aqui. E enquanto tivermos medo, “eles” vão nos vencer.

    1. Avatar de Kico (Henrique Lobo Weissmann)
      Kico (Henrique Lobo Weissmann)

      Oi Tiago, valeu pelo apoio.

      Eu já estou, com base nos e-mails que venho recebendo, criando um formulário que garantirá o anonimato de todos, a fim de poder coletar o maior número de informações possível.

  2. Avatar de Leonardo
    Leonardo

    Henrique,

    Nós vivemos na pele várias situações de abuso cometidas por várias empresas, até mesmo trabalho escravo. Eu mesmo já trabalhei 6 meses de graça sem receber salário e pagando transporte do meu bolso porquê o empresário prometeu “participação” societária! (velho golpe de participação). Na época não entrei na justiça pois a cidade onde morava era muito pequena e garantidamente eu não conseguiria nenhuma colocação naquele mercado. Você não acha os profissionais dessas cidades de interior e mesmo capitais provincianas e bairristas como Belo Horizonte podem ter o mesmo tipo de medo?

    1. Avatar de Kico (Henrique Lobo Weissmann)
      Kico (Henrique Lobo Weissmann)

      Oi Leonardo,

      este medo é uma realidade. E ficou bem claro pra mim, por exemplo, neste post, que já teve bem mais de mil acessos e, mesmo assim, apenas dois comentários.

      Além disto, também pude comprovar este fato em diversas entrevistas que estou fazendo para minha pesquisa. Na esmagadora maioria das vezes, o entrevistado afirma morrer de medo de se ver, do dia pra noite, “queimado no mercado” ou por ter entrado na justiça ou por ter divulgado sua situação.

      O que piora ainda mais a situação, pelo que pude observar, é o ato da vítima normalmente ser rotulada como “difícil”, “complicada”, “chata”, “sensível”, etc, que ajuda bastante a tirar sua credibilidade.

      Observação interessante: eu recebi alguns relatos por e-mail de alguns mais corajosos. No entanto, a partir do momento em que inclui o formulário do Google Docs que garante o anonimato dos testemunhos (mesmo porquê não pergunto nenhum dado pessoal), o número de relatos triplicou.

      O que podemos fazer na minha opinião é, em um primeiro momento, discutir o fenômento. Entender por que ocorre, como ocorre e, ainda mais importante, como lidar com ele. Por isto pedi na pesquisa que de modo algum seja publicado no formulário o nome da empresa aonde ocorreu o evento. A idéia não é apontar o dedo para empresa alguma, mas sim , a partir do resultado deste trabalho, ter um ferramental que ajude ambas as partes – empregado e empregador – a evitar este tipo de ocorrência.

  3. Avatar de Bruno
    Bruno

    Grande Henrique, realmente fico muito feliz por você ter tocado nesse assunto e agradeço muito se realmente esse “ferramental” que você irá produzir e que tenho certeza que será de qualidade, enfim, ajude bastante os “peões de obra”!
    Realmente de fato, reforço o que todos já falaram, acho que o medo é o principal fator para que as empresas sempre saiam ganhando dos seus funcionários, por mais absurdas as situações que tenham ocorrido. É triste, porém, é mais cômodo o funcionário aceitar a “loucura” da empresa do que ficar desempregado, pois hoje em dia até sem processar a empresa tá difícil arrumar emprego, quanto mais processando e buscando seus direitos! Enfim, essa é a minha opinião, se eu estiver errado me corrija!

    1. Avatar de Kico (Henrique Lobo Weissmann)
      Kico (Henrique Lobo Weissmann)

      Pois é: eu concordo com você.
      Mas quanto mais parado você fica, pior a situação se torna, certo?

      Aliás, é interessante observar que o dano moral também se dá no sentido contrário, ou seja, funcionário causando prejuízos à imagem da empresa.

      1. Avatar de Bruno
        Bruno

        Falou e disse “quanto mais parado você fica, pior a situação se torna”, mas acho que mesmo sabendo que ficar parado é ruim, ainda sim o medo prevalece! Para mim as pessoas optam por ficar desempregadas devido ao medo muito mais do que correr atrás dos seus direitos e ficar presa a um processo!
        Agora na minha ínfima experiência e visão em relação a empresa sobre o funcionário causar prejuízo, o que acho é que as mesmas não tem nem pena e mandam logo na rota ou processam mesmo sem nem ao menos pensarem duas vezes.
        Ou seja, o capitalismo está tão grande que não se preocupam com o pensamento ou ideia do funcionário sobre as condições de trabalho ou outros diversos fatores, só se importam com o lucro, enfim, o de sempre nenhuma empresa dá ao seu funcionário o verdadeiro valor (novamente repito, baseado na minha ínfima experiência no mercado de trabalho), se ele é “fraco” em alguma atividade, faça “Job Rotation”, até porque contratar funcionário é caro para a empresa! Se nem assim der certo aí a empresa veja os seus direitos mesmo!
        Concluindo, não conheço mega multinacionais ou qualquer empresa seja qual for que valorize realmente o seu funcionário! Desculpe aí o desabafo mas esse assunto rende muito conteúdo mesmo! Espero não estar errado, rsrs, se eu estiver me corrija!

        1. Avatar de Kico (Henrique Lobo Weissmann)
          Kico (Henrique Lobo Weissmann)

          Opa Bruno, sim, isto rola bastante. E não precisa pedir desculpa, você está enriquecendo o post.

          Na minha opinião, no caso do software o problema começa por uma questão linguística: https://devkico.itexto.com.br/?p=1230

          Este é o primeiro passo pra resolver o problema.
          O segundo é apontar o dedo pro modo como a relação entre funcionários e patrões pode dar errada, que é o objetivo desta pesquisa.

          1. Avatar de Bruno
            Bruno

            Ok chefia, que bom então, esse seu outro post já li muitas vezes também e acho maravilhoso, os comentários então só tem fera! Enfim, no aguardo para ver esse “ferramental” pronto, abraço e sucesso aí, você é o cara!

  4. Avatar de MayogaX
    MayogaX

    Opa, mestre, só vi isso agora! Puxa, vou mostrar isso para mais pessoas…acho que só de explicar sobre assédio você já fez um ótimo trabalho.

  5. Avatar de Assediados

    A pesquisa é dirigida apenas a pessoas da área de TI?

    1. Avatar de Kico (Henrique Lobo Weissmann)
      Kico (Henrique Lobo Weissmann)

      Olá, sim: este é o foco inicial da pesquisa.

  6. Avatar de Márcio Ferreira

    ótimo post! parabéns kiko!

    1. Avatar de Kico (Henrique Lobo Weissmann)
      Kico (Henrique Lobo Weissmann)

      Valeu!

  7. Avatar de Daniel Stonebuilt
    Daniel Stonebuilt

    Oi boa tarde, Henrique. Ótimo post!
    Sabe eu já venho prestando atenção neste fenômeno que você colocou no artigo já faz algum tempo, e muitas das vezes nós achamos que é coisa da nossa cabeça mas não é!
    Como complemento ao seu artigo, na minha opinião boa parte desta opressão nas fabrica de softwares, parte é consequência da área de tecnologia mesmo, pois exige um alto preparo do profissional em diversas segmentos do qual nós não estamos preparados, pois um desenvolvedor de software tem que lidar com no minimo: Javascript, HTML, CSS, algum framework client side ou + , uma linguagem server , mm framework server side ou + , xml e etc…fora as ferramentas de apoio GitHUB, SVN…e outros sistemas operacionais…com o agravante de ter que conhecer bem a regra de negocio do cliente. Ou seja o que nós nos sujeitamos muitos profissionais clássicos, como médicos, engenheiros e advogados jamais fariam… e isso é ainda pior para quem esta entrando pois já não é fácil navegar neste oceano de informações e requisitos que nos é esperado, e ainda se exige produção logo de inicio. Outra parte é que por não existir um órgão que protege o profissional de T.I ( não falo de sindicatos, pois estes mais atrapalham que ajudam ).Ele tende a seguir um estilo mais eremita de viver, sendo auto-didata e conseguindo evoluir sem a dependência de uma empresa, o que é muito bom para nós, mas isso também gera um mercenarismo neste meio, como o cara ficou bom demais sozinho, quando ele entra em uma empresa normalmente o cara vai ter um salario mais alto que a média de outras profissões, e uma coisa que eu vejo que sempre é recorrente é um clima de competição constante, e pouco de cooperação entre as equipes, mais a pressão dos prazos para entrega do software. Resumindo é uma área muito autônoma e meio que cada um por si…mas eu vejo que isso também esta mudando principalmente por causa das comunidades open source que tendem a reunir a galera e fortalecer estes cérebros pensantes solitários :) Obs: Não estou dizendo que isso é exclusividade somente da área de T.I, pois assédio ocorre em qualquer lugar. Grande abraço!

    1. Avatar de Kico (Henrique Lobo Weissmann)
      Kico (Henrique Lobo Weissmann)

      Oi Daniel, legal que tenha gostado, valeu!

      Entendo seu ponto de vista: sem sombra de dúvidas é algo que ajuda a ocorrência do dano moral em nosso ambiente de trabalho.

      Muito interessante você falar sobre o “eremita”: é algo sobre o qual pretendo escrever nesta semana. :)

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