Devo confessar: eu não gosto do modelo relacional. É difícil de escalar, simplório demais e acredito que possui um alto potencial para mutilar mentes de desenvolvedores (mais sobre isto em outro tópico (ou neste mesmo)). Ao buscar alternativas, acabei topando com o CouchDB (aguardem novidades em breve), que utiliza um modelo basicamente oposto (é baseado em documentos, não em tabelas).
Em um primeiro momento, me empolguei muito com o novo brinquedo para que, no seguinte, tomasse um banho de água fria ao comentar o assunto com alguns (varios, na realidade) colegas de TI. Em 98% dos casos, nem tentaram compreender o modelo proposto. Simplesmente o rechaçaram com o argumento de que “se já existe o modelo relacional, que resolve todos os problemas, pra que buscar outra coisa?”.
Foi quando caiu a ficha: a TI está na caverna. Ao menos em empresas grandes, está. E provávelmente não sairá de lá por um bom tempo. Para aqueles que não conhecem, estou me referindo ao mito platônico descrito na República. A idéia é a seguinte: é descrita uma situação na qual escravos são criados desde o seu nascimento acorrentados em uma caverna de tal modo que jamais possam virar-se para trás e a única coisa que vêem consiste em sombras projetadas na parede em sua frente, relativas à luz de uma fogueira localizada atrás dos mesmos. Para estes escravos, portanto, o mundo é composto apenas por estas projeções e nada mais.
Um belo dia, um dos escravos se solta das algemas e, tateando as paredes da caverna, acaba por subir à superfície. Ao se deparar com o mundo exterior, primeiro é ofuscado pela luz do Sol. Em seguida, conforme vai se acostumando à luz, começa a observar objetos que jamais havia sonhado: árvores, grama, animais, casas, para seu espanto outros homens e, finalmente, o céu. Óbviamente, nosso escravo fica maravilhado. E, de tão maravilhado que fica, decide voltar à caverna para contar a seus companheiros a novidade. Ao fazê-lo, primeiro é tido como louco para, em seguida, ser assassinado pelos mesmos.
Hmm… a semelhança já está nítida? Caso não, vamos substituir alguns dos elementos do texto:
Resolve então apresentá-la a seus colegas. Estes, em um primeiro momento, o vêem como um sonhador. Passado algum tempo, começam a se sentir ameaçados com a novidade para que, no final, optem por tornar sua experiência de trabalho tão insuportável ao ponto do mesmo se demitir ou ser demitido.
É incrível como o mito da caverna é atual (claro: é o mito fundador da sociedade ocidental). O que se percebe é, na realidade, o velho conflito de gerações: funcionários (o termo funcionário é muito bem selecionado no caso) mais antigos, que já se encontram bem familiarizados com o ambiente e que se sentem ameaçados pelos novatos e suas novidades. Um possui a vantagem de possuir maior know how, ao passo que o outro possui idéias frescas que poderíam de fato melhorar a qualidade do trabalho produzido até então.
No final das contas, todos perdem. A empresa perde a chance de presenciar uma melhoria na qualidade dos seus processos. O veterano perde a oportunidade de se reciclar. E o coitado do novato, bem: além de perder o emprego e o estímulo para continuar na empresa, perde também a oportunidade de aprender algo com a experiência do veterano.
(claro: no final das contas, o novato vai sair no lucro por ter se livrado de um ambiente de trabalho retrógrado, mas ao menos momentâneamente, este ganho não estará nítido para o mesmo)
Isto, é claro: em empresas grandes que possuam (ou ao menos achem que possuem) algo a perder. Neste sentido, ser menor é muito melhor. Como o que há a se perder (se é que há) é muito menor, o “ambiente cavernoso” não possui lugar (seria muito caro), dando origem aos “Davis” contemporâneos.
Hoje li no Twitter algo que cai muito bem aqui: “optar por trabalhar em empresas grandes consiste em se optar por parar no tempo”. (twitter do usuário lucastex)
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