Armadilhas para desenvolvedores: os exploradores

Cristóvão Colombo: empreendedor do século XV que se daria muito bem na área de TI do século XXI

Recentemente li dois livros maravilhosos que me fizeram repensar o mercado de desenvolvimento de software: “As Veias Abertas da América Latina”, de Eduardo Galeano e “Brevísima relación de la destrucción de las Indias”, de Bartolomé de Las Casas. O assunto é o mesmo: o modo como as Américas foram brutalmente exploradas e os indios dizimados pelos espanhóis e portugueses.

Transpondo para a minha realidade, percebi que os exploradores ainda atuam, só que na área de TI do século XXI. Há uma nova “etnia” a ser explorada: os tais dos desenvolvedores, que “curtem tanto o que fazem que muitas vezes trabalham até de graça” (já ouvi isto). Ah, e claro: usar a palavra “explorador” depois deste passado sangrento pega muito mal: então a palavra da vez é “empreendedor”. Nada pode dar errado (e raras vezes da).

Primeira tática: escambo

“Oi Nativo, tudo bem? Tenho um negócio massa pra você: que tal você me dar o seu ouro em troca destas minhas pedrinhas brilhantes mágicas? Topas?”

A frase me soou tão familiar que fiquei vermelho de vergonha. Um empreendedor te procura com uma idéia maravilhosa, porém não pode lhe pagar em espécie. No lugar, te oferece algum bem não financeiro, como por exemplo um video game, parceria (vou falar mais sobre parcerias logo à frente), computadores ou alguma outra bobagem cuja liquidez seja mínima ou inexistente. E você aceita rindo!

Ah… o escambo!

Logo em seguida você rala feito um louco e entrega o resultado final ao “empreendedor”, que sempre pede alguma coisa a mais, muitas vezes ultrapassando em muito o valor do que você recebeu.

Me desculpe cagar na sua janta amigo, mas se você topou (assim como eu), você fez papel de otário. Isto porquê o sujeito não lhe pagou o valor REAL do seu trabalho, mas o custo reduzido que ele tem para obter a bugiganga que te empurrou. Então, se seu trabalho valesse R$ 100,00 e você recebe como pagamento um livro de R$ 100,00, na realidade nosso amigo empreendedor te pagou R$ 60,00 no máximo.

E… tem outra: contas normalmente são pagas em dinheiro, não em missangas. Mesmo que você venda a porcaria que recebeu, só o seu trabalho em tentar obter liquidez com esta joça já diminuiu ainda mais o seu ganho.

Segunda tática: divulgação

“Oi Nativo, tudo bem? Se me fornecer seu trabalho, contarei para o meu Deus a seu respeito, e este jogará sobre ti graças infinitas!”

Recebi um e-mail HOJE que é uma transcrição deste papo furado. Segue abaixo:

“Oi Henrique, tudo bem?

Acompanho seu blog há muito tempo, e sei que você é referência em Groovy/Grails. Estamos iniciando um projeto que terá grande visibilidade nacional e gostaríamos de te ter como parceiro, o que se pagará para ti como uma publicidade monstruosa.

Topaz?˜

Ah… a fama!

E você vê a possibilidade de fazer inúmeros clientes e contatos. Claro que você vai topar: afinal de contas, o sucesso depende de contatos, certo? Vai ser uma publicidade monstruosa! O que poderia dar errado?

Tudo.

Seguinte: publicidade monstruosa é aparecer o SEU nome na mídia REAL, e não em comentários de rodapé em reportagens de revistas que não valem nada ou num boca a boca pouco expressivo que é o que realmente acontece.

Publicidade REAL se obtém fazendo um bom trabalho, tarefa esta que é REMUNERADA e RECONHECIDA pela QUALIDADE. Quer saber de uma coisa? ESTA é a melhor divulgação possível: quando sua obra é citada porque atendeu BEM o cliente e este, satisfeito, te indica para outras pessoas.

Ou então, quando o cliente não te indica para ninguém mas, sabendo que este está satisfeito, você mesmo publica o case no seu site. Por favor: não caia nesta arapuca como já cai inúmeras vezes.

Terceira tática: parcerias

“Nativo! Tudo bem? Olha: acho que podemos crescer trabalhando juntos. O que me diz de participar comigo de um ou mais projetos sob o regime de parceria?”

Ah… as parcerias!

Quem trabalha com desenvolvimento e NUNCA recebeu um e-mail com a proposta de entrar de sócio em uma parceria na qual nada pode dar errado que atire o primeiro monitor LCD de 42 polegadas!

Sabe o que é mais engraçado? Percebi que os desbravadores que te propõem parcerias não sabem, eles mesmos, o que é uma! Só pra lembrar, uma parceria deve lidar claramente com as seguintes questões:

  • Claramente, qual é o objetivo em comum?
  • Como será a distribuição dos ganhos E, ainda mais importante, dos gastos? Qual o capital a ser usado  e qual será sua distribuição?
  • Quais os objetivos individuais de cada participante? (fundamental para evitar a concorrência entre os membros)
  • Qual a distribuição das tarefas?
  • Qual o plano de negócios?

Se você mandar esta lista de perguntas pro “proponente” e ele não te responder TODAS, já te digo qual o tipo de parceria que você está entrando: escravidão. O sujeito tá procurando mão de obra gratuita pra um projeto que, numa boa? Provavelmente não irá pra frente.

Se não passar, você não tem uma relação de parceria, mas sim meramente comercial, na qual ambos os lados querem apenas maximizar o próprio lucro (não há nada de errado com isto).

Por quê é assim hein?

A culpa é 80% nossa. Muitas vezes, gostamos TANTO do que fazemos que acabamos ficando muito bons na coisa e começamos a achar fácil o negócio. E então surge o seguinte pensamento: “ah, isto é fácil! Não vou cobrar muito”, ou então o pior deles “não acredito que estão me pagando pra fazer isto!”(!!!).

Gente: escrever software NÃO é fácil. Se fosse, já existiriam geradores de código eficazes pra executar esta tarefa e programadores não existiriam mais. Se seu software é de qualidade, não há problema ALGUM em cobrar o valor justo pelo seu trabalho.

Nossa formação também não é comercial. Somos desenvolvedores: projetamos e escrevemos software, não contratos comerciais. Mas ai é preciso fazer alguns questionamentos:

O que é “caro”?

Vais sair mais caro que minha caravela!

Simples: algo é caro quando o valor investido é maior que o ganho esperado. Pagar por um tablet xingling o preço de um iPad é caro, porque ele não te traz o mesmo ganho. Ao mesmo tempo, contratar um profissional com valor hora de R$ 1000,00 por um dia pra resolver seu problema num projeto cujo valor é R$ 1.000.000,00 não.

Sendo assim, se o desbravador vier pra cima de você com o papo de “seu trabalho tá muito caro”, levante as seguintes perguntas:

  • Qual o ganho esperado pelo resultado do meu trabalho?
  • A qualidade do seu trabalho vale o que você está cobrando? Faça uma auto-crítica. Será que você é realmente tão bom assim quanto se vende? Em caso afirmativo, baseado em quais FATOS?

Exemplo: o cliente tem um servidor de R$ 3000,00 para executar o seu sistema. Se você propõe R$ 3500,00 e ele te diz que ta caro, porque o PC dele custou menos que isto, você pergunta o seguinte: “qual o valor do seu PC sem o meu software?”

Se agrega valor não é caro: é investimento. O bandeirante ainda acha caro mesmo após ter justificado o valor? A solução é fácil: diga-lhe que consulte o mercado em busca de outras soluções. Normalmente não vale à pena.

Como você justifica o custo?

É muito fácil virar para o seu cliente e dizer: “custa X”. Custa X porque? Qual a unidade empregada? Numa boa: oferecer valores injustificados alimenta o desbravador contra você. Acredito ser fundamental ter alguma métrica a ser exposta, seja esta qual for: homem hora, pontos de função, casos de uso, que seja.

O importante é ter uma linguagem em comum pra não ter de escutar depois o “ta caro”. Sem esta, você está simplesmente alimentando indefinidamente esta merda toda.

Lembre-se do seguinte: no seu valor deve vir inserido todo o tempo que você investiu com estudo, pesquisa e aprimoramento. Este esforço não deve em hipótese alguma ser negligenciado. Não se aperfeiçoa em algo simplesmente pra ser o melhor nela e por assim ficar. Não! Este investimento DEVE ser refletido no seu valor hora.

Como eu evito cair nesta?

Nossos empreendedores tem uma arma tão poderosa quanto as espadas e a pólvora: o dinheiro. É fato: você precisa dele pra sobreviver, e não pode em maneira alguma se queimar no mercado. Mas ao mesmo tempo, assim como você depende do cliente, o contrário também é verdade.

Segue aqui então uma lista de atitudes que tem me ajudado a escapar destes ataques uns 70% das vezes:

  • JAMAIS faça nada de graça (ô arrependimento!): as pessoas não valorizam o gratuito. Você com certeza receberá um obrigado, mas não mais do que isto.
  • Cobre o justo: não esfaqueie seu cliente. Cobre o valor correto para manter uma relação de longo prazo.
  • Não comece a trabalhar antes de ter um orçamento aprovado (neste caso, o errado é você que se afobou)
  • Valorize-se: se seu trabalho fosse tão fácil assim, não estariam te procurando pra fazê-lo.
  • Seja honesto: é a única forma de ter moral em qualquer negócio e também de se diferenciar da multidão de picaretas que destroem nossa imagem

Concluindo

Uma vez eu ouvi a seguinte frase: “se trabalho fosse bom, não te pagavam pra isto”. A resposta foi imediata:

“Olha: meu trabalho É bom. AMO o que faço, então me dedico ao ofício. Consequentemente, vou ser um dos melhores.
As pessoas me pagam portanto não é porque é ruim, mas porque não conseguem executar a mesma tarefa que executo, no tempo que faço e com a qualidade que ofereço.”

PS: fui muito influenciado pelo excelente blog do Luiz DiVasca @divasca, cujo link é http://divasca.blogspot.com/. Precisamos de mais gente com sua coragem.


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